Sem noção de amor fraterno// O homem agride o irmão,// Num ato que mostra o inferno// Que traz no seu coração.
Rosa Regis Brincando com os Versos
Pensares que se transformam //espalhando poesia, //pegam carona no vento// enchem meu ser de alegria
Textos
O MENINO MENTIROSO QUE VIROU UM PEIXARÉ
Uma adaptação do conto de M. C. GARCIA
OIREB: O SAPECA do seu livro POVAREJO

Texto: Rosa Regis

ilustraçãoDanda


Esta é a história de Oireb,
O garoto sapequinha
Que inventava mentiras
De tudo que à mente vinha
Com um resultado fatal
Para ele, no final,
Pois teve sorte daninha.
...
Mais ou menos sete anos
A idade que ele tinha.
Era um menino incomum
À meninada vizinha:
Brincalhão, inteligente,
Criativo e competente.
E mente brilhante tinha.

Com uma tendência artística
Que puxava para o humor,
Destacava-se em piadas
Jocosas. Um gozador!
Muitos o admiravam.
Porém alguns não gostavam
Do jovem humorista-ator.

Passam-se os dias... O tempo...
Nosso Oireb vai crescendo...
E, à medida que cresce,
Ao povo vai convencendo
Dessa sua habilidade
E proeza. Na verdade,
Seu talento vai-se vendo.

Talento de contador
De piada inteligente,
Alegre. E de historietas
Sempre com fundo decente,
Por ele mesmo criadas
Da sua cuca, tiradas.
Produtos da sua mente.

Suas estórias, na escola,
Era um sucesso total!
No horário do recreio,
Com o seu talento real,
Reunia a garotada
Que ficava a ouvir, sentada,
Aquele ser sem igual.

Até mesmo o Geremil,
O zelador, atraído
Foi pelas belas estórias
E contos de Oireb, tido
Como o melhor do lugar
Para estórias contar.
Um sucesso garantido.

Era clara a alegria
Que nos rostos se mostrava
Logo depois da estória
Que o nosso Oireb contava.
De Geremil, o desgosto,
Jururuzisse do rosto,
Como um milagre, afastava.

Acabava-lhe a tristeza
Deixando o mesmo feliz,
Chamando, pois, a atenção
Da maioria. E um matiz
De prazer e de alegria
Entre seus colegas cria.
Sua expressão é quem diz.

Um aluno nota dez,
Não se podia dizer
Que o nosso Oireb fosse!
Mas, poder-se-ia ver:
Entre os primeiros, estava.
Entre os dez, se colocava.
E fazia por merecer.

Os professores que nunca
Mostraram interesse algum
Por quaisquer dos seus alunos,
Demonstram, ora, incomum
Atenção pelo rapaz,
Dizendo-o “muito capaz”!
E só se ouve o zunzum:

- É um aluno aplicado!
Oireb não dá trabalho.
Faz as tarefas de sala
De aula, e jamais é falho
Nas de casa. Ele dá conta
De tudo, trazendo pronta
Tarefa com cabeçalho.

- Diferente de Beril,
É menino inteligente.
E da forma que está indo
Ele terá, certamente,
Eu garanto e acredito
No que eu digo: um bonito
Bom futuro pela frente!

- Quanto a Beril, já não sei...
Já que é muito danado,
Seu futuro é duvidoso!
O presente traz mostrado.
Não se compara ao menino
Oireb! Cujo destino
Parece que veio traçado.

- Tudo indica que Oireb
Terá futuro brilhante!
É o que se vê porque ele
Vem mostrando, a cada instante,
Com seu dom pra criação
E seu jeito brincalhão,
Expansivo, e cativante.

Porém, meu povo, o destino
Às vezes nos dá rasteira
No vai e volta da vida
Como numa brincadeira.
E quem se deixa levar
Sem reagir, sem lutar,
Mistura-se à bagaceira.

Um dia, o nosso menino
Oireb – o inteligente,
Criativo, brincalhão...
Sai do seu caminho: mente.
E desse dia em diante
Todos estarão diante
De um Oireb diferente.

Pois Oireb, agora, mente
De forma espetacular!
Mentiras de todo tipo
Passa ele a inventar.
E o povo acreditava
Nas mentiras que inventava
Sem vergonha. Sem corar.

Mentia de fazer dó!
Na maior descaração!
Para os pais, pra professora,
Pro Seu Raimundo. O cão
Tornou-se, na criativa
Mentira hábil e ativa,
Sem ter consideração.

Não respeitava ninguém!

E o pior de tudo isso:
Ninguém mesmo acreditava
Que ele fosse capaz disso.
E mentindo a mais valer,
Escandaliza e faz crer
Que só pode ser feitiço.

Às vezes atribuíam
Suas mentiras ao irmão
Mais velho, por não pensarem
Que ele fosse tão vilão.
Oireb não o defendia!
Deixando que, à revelia,
Pensassem mal do Tonhão.

Lembro de um dia que Oireb
Fez mais uma presepada:
Deu feriado à escola.
Mais uma mentira armada.
Aproveita um acidente
Com a diretora, e mente
De uma forma descarada.

Declara “O dia do fico”!
E “fica” telefonando
À professora, aos colegas,
Com voz tristonha, afirmando:
- A diretora sofreu
Um acidente, e sou eu
Quem está comunicando.

- Não haverá aula hoje!
E ela pediu-me que eu
Comunicasse pra todos
Como o caso aconteceu:
A coitada passou mal,
Foi parar no hospital
Depois que o carro bateu.

Quarenta e cinco minutos
Foi mesmo o suficiente
Para o moleque criar
Sua história. E ele mente
Por telefone, e convence
A todos. E, assim, vence
Seu propósito alegremente.

Resultado: A professora,
E nenhum aluno seu,
Naquele “dia do fico”
Na Escola apareceu.
Dona Clementina, não.
Sem saber da confusão,
Na certa, compareceu!

Recuperada do susto
Da batida que sofreu,
Diretora responsável,
Veio à Escola. E ocorreu
Que ficou preocupada
Vendo a Escola fechada,
Sem saber o que se deu.

E aí sobrou para Oireb!
Que sofreu a suspensão
Primeira da sua vida.
E sem ver televisão,
Sem vídeo-game, passeio...
Por uns dez dias, eu creio,
Ficou no castigo, então.

Mas ele não perde tempo!
E, criativo que é,
Qualquer motivo é motivo
Para que crie! E, a pé,
Vem, um dia, pela rua,
Chutando pedras, na sua...
E vejam como é que é:

Depara-se com uma sena,
Pra si, espetacular!
O alcoólatra Sined,
Que lhe pareceu estar
Morto. Pois, no chão jogado...
Um pacote amarfanhado,
Deu-lhe motivo a espalhar

Que o Sined morrera.
E o primeiro, o Seu Raimundo,
Ajudou-o a publicar
A notícia a todo mundo.
Só que, no dia seguinte,
Como pra fazer acinte,
Lá estava o vagabundo.

De manhã, logo cedinho,
Lá no Bar do Seu Chicó,
Está Sined tomando
Uma caninha. Olhem só!
Vendo que Oireb mentiu,
C’outro olhar o bairro o viu.
E dele não teve dó.

Seu Raimundo, desgostoso
Com a mentira do menino
Que o fez mentir também,
Quase entra em desatino.
Mas, ao falar com o garoto,
Este, gozador... maroto,
Muda seu pensar e tino.

Depois de ouvir o moleque,
Que mostrou-se admirado
Com a zanga do Seu Raimundo,
Dizendo: - O pobre coitado
Do Sined já morreu
Há muito! E o povo esqueceu
De enterrar o desgraçado.

Seu Raimundo não resiste!
E a zanga, em vez de aumentar
Contra Oireb, o que ocorreu
Foi que pôs-se a gargalhar,
Dizendo: - A gente quer ter
Raiva, mas, o que fazer?
E segue a rir sem parar.

Quando Sined morreu
E Oireb notificou
Sua morte de verdade,
Ninguém mais acreditou.
E assim, como indigente,
Sem cortejo, minha gente!
O Sined se enterrou.

E a mentira maior
Que nosso Oireb inventou,
Deu-se com seu próprio fim
De mentiroso. O levou.
Pois uma das tais estórias,
Que criava com vanglórias,
Da humanidade o tirou.

É que as mentiras de Oireb
Cresceram a mais não poder,
Fazendo que aquela gente,
Nele não viesse a crer
Mais. Nem que ele dissesse
Uma verdade e, em prece,
Jurasse verdade ser.

A sua mentira, agora,
Do seu ser tomava conta.
Era desacreditado
Pela pessoa mais tonta.
Sua mentira o engolira.
Era, ora, a própria mentira.
Comparação era afronta.

Morava perto do Rio
Potengi, na Zona Norte
De Natal – a Capital
Do Rio Grande do Norte,
Ali, onde se contavam
Estórias que assustavam
Até o homem mais forte.

Estórias de peixes grandes,
Gigantescos; jacarés
Que desciam nas enchentes
Em meio aos igarapés,
E que engolia, ligeiro,
Um homem de corpo inteiro
Sem deixar, sequer, os pés.

Eram estórias contadas
Pelo povo do lugar
Que Oireb incrementava
Pra podê-la repassar.
E asas à imaginação
Dava ele para, então,
De nova forma contar.

E, assim, achou de inventar
A sua grande mentira:
Uma mentira tão grande
Como o lugar jamais vira!
E a quem vai e quem volta
Conta a seguinte lorota,
A sua maior mentira:

-Gente, por favor, não desçam
Para o rio, tomar banho!
Pois lá tem um jacaré
E um peixe de tamanho
Descomunal que, de vez,
Engole pra mais de seis
Pessoas, num abocanho.

E Oireb levou a tarde
Mentindo pra quem passava
Ali na beira do rio,
Sem ver que a noite chegava.
Mentiu tanto que dormiu.
E dormindo, em sonho, viu
Algo que ao mesmo assustava.

Sonhou que o peixe engolira,
Junto com o jacaré,
Toda aquela boa gente
Que passara ali a pé
Pra ir pro rio. E, assustado,
Acordou atarantado
Naquilo botando fé.

Sentindo-se arrependido
Das mentiras que inventou.
Ele quis tirar a limpo
O sonho, e se deslocou
Para o rio que, tranqüilo,
Assistia a tudo aquilo.
E Oireb se arrepiou.

Não encontrou viva alma
Da gente que vira vir,
À tarde, em busca do rio.
Levando-o a deduzir
Que:"O povo foi engolido
Pelo jacaré. Comido
Pelo peixe!" a fremir.

A noite, silenciosa,
Rapidamente cresceu.
E as profundezas do rio
A Oireb recebeu.
Num Peixaré o encantou.
Alguém que viu, me contou!
De graça, a estória me deu.


Nota:
Agora era um menino com cauda de peixe e
rosto de jacaré, que de sete em sete anos
aparece no Povoado do Galo, na figura de um
garoto querido e alegre. Ou seja, a contar
suas estórias e piadas. Mas, quando começa
a mentir, desaparece misteriosamente e, de
novo, se encanta em um peixaré.

 
Fim
Salvador - BA, 08/01/2008.
Rosa Regis
Enviado por Rosa Regis em 22/07/2010
Alterado em 09/01/2018
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